24 Quadras, In " Este Livro Que Vos Deixo "
1
Não vás contar a ninguém
as histórias que não sabes;
nem assim entrarás bem
no lugar em que não cabes.
2
Quem me vê dirá: não presta,
nem mesmo quando lhe fale,
porque ninguém traz na testa
o selo de quanto vale.
3
Deixam-me sempre confuso
as tuas palavras boas,
por não te ver fazer uso
dessa moral que apregoas.
4
São parvos, não rias deles,
deixa-os ser, que não são sós;
às vezes rimos daqueles
que valem mais do que nós.
5
Que importa perder a vida
em luta contra a traição,
se a Razão, mesmo vencida,
não deixa de ser Razão?
6
Inteligências há poucas.
Quase sempre as violências
nascem das cabeças ocas,
por medo às inteligências.
7
P'ra mentira ser segura
e atingir profundidade,
tem que trazer à mistura
qualquer coisa de verdade.
8
Para triunfar depressa,
cala contigo o que vejas
e finge que não te interessa
aquilo que mais desejas.
9
Ti, que tanto prometeste
enquanto nada podias,
hoje que podes - esqueceste
tudo quanto prometias...
10
Os que bons conselhos dão
às vezes fazem-me rir,
- por ver que eles próprios são
incapazes de os seguir.
11
Não sou esperto nem bruto
nem bem nem mal educado:
sou simplesmente o produto
do meio em que fui criado.
12
Os meus versos o que são?
Devem ser, se os não confundo,
pedaços do coração
que deixo cá neste mundo.
13
Porque o mundo me empurrou,
caí na lama, e então
tomei-lhe a cor, mas não sou
a lama que muitos são
14
Eu não tenho vistas largas,
nem grande sabedoria,
mas dão-me as horas amargas
lições de filosofia.
15
Co'o mundo pouco te importas
porque julgas ves direito.
Como há-de ver coisas tortas
quem só vê em seu proveito?
16
Descreio dos que me apontem
uma sociedade sã:
isto é hoje o que foi ontem
e o que há-de ser amanhã.
17
Vós que lá do vosso império
Prometeis um mundo novo,
calai-vos que pode o povo
qu'rer um mundo novo a sério.
18
Há luta por mil doutrinas.
Se querem que o mundo ande
façam das mil pequeninas
uma só doutrina grande.
19
O meu mais puro sorriso
eu não o mostro a ninguém;
mas sei rir, quando preciso,
a quem me sorri também
20
Se o hábito faz o monge
e o mundo quer-se iludido,
que dirá quem vê de longe
um gatuno bem vestido?
21
Sei que pareço um ladrão...
mas há muitos que eu conheço
que, sem parecer o que são,
são aquilo que eu pareço.
22
Nas quadras que a gente vê,
quase sempre o mais bonito
está guardado p'ra quem lê
o que lá não 'stá escrito.
23
Meus versos que dizem eles
que façam mal a alguém?
Só se fazem mal àqueles
a quem podem ficar bem.
24
Julgando um dever cumprir,
sem descer no meu critério,
- digo verdades a rir
aos que me mentem a sério!
(António Aleixo)
Deixo-vos o poeta… mas, também outro grande Senhor da Arte, em Portugal, meu amigo e conterrâneo. Um site de qualidade superior, e que desejo muito apreciem, nesta minha singela homenagem, ao pintor Nadir Afonso* Obrigada* Bem Hajam!
http://www.nadirafonso.pt/
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