sábado, 27 de setembro de 2008

Liberdade


Encontro de Blogues/ Semanario Sol/ Set 2008 Sabrosa/S.Martinho de Anta
MIGUEL TORGA

(Poeta e prosador - 1907-1995)
EU, PECADOR, ME CONFESSO DE SER CHARCO E LUAR DE CHARCO, À MISTURA...

1907: Nasce Adolfo Correia da Rocha em S. Martinho de Anta (distrito de Vila Real). - 1920: Emigra para o Brasil. - 1925: Regressa do Brasil. - 1927: Fundação da "Presença" em que colabora desde o começo. - 1928: Ingressa na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra; Ansiedade, primeiro livro, poesia. - 1930: Deixa a "Presença". - 1931: Pão Ázimo, primeiro livro em prosa. - 1933: Formatura em Medicina. - 1934: A Terceira Voz, prosa; passa a usar o pseudónimo Miguel Torga. - 1936: O outro livro de Job, poesia. - 1937: A Criação do Mundo - Os dois primeiros dias. - 1939: Abertura do consultório médico, em Coimbra. - 1940: Os Bichos. - 1941: Primeiro volume do Diário; Contos da Montanha, que será reeditado no Rio de Janeiro; Terra firme, Mar, primeira obra de teatro. - 1944: Novos Contos da Montanha; Libertação (poesia). - 1945: Vindima, o primeiro romance. - 1947: Sinfonia (teatro). - 1950: Cântico do Homem (poesia); Portugal. - 1954: Penas do Purgatório (poesia) - 1958: Orfeu Rebelde, poesia. - 1965: Poemas Ibéricos. - 1981: Último volume de A Criação do Mundo. - 1993: Último volume do Diário (XVI). - 1995: Morre Adolfo Correia da Rocha.


São Leonardo da Galafura


À proa dum navio de penedos,
A navegar num doce mar de mosto,
Capitão no seu posto
De comando,
S. Leonardo vai sulcando
As ondas
Da eternidade,
Sem pressa de chegar ao seu destino.
Ancorado e feliz no cais humano,
É num antecipado desengano
Que ruma em drecção ao cais divino.

Lá não terá socalcos
Nem vinhedos
Na menina dos olhos deslumbrados;
Doiros desaguados
Serão charcos de luz
Envelhecida;
Rasos, todos os montes
Deixarão prolongar os horizontes
Até onde se extinga a cor da vida.
Por isso, é devagar que se aproxima
Da bem-aventurança.
É lentamente que o rabelo avança
Debaixo dos seus pés de marinheiro.
E cada hora a mais que gasta no caminho
É um sorvo a mais de cheiro
A terra e a rosmaninho





LIBERDADE


– Liberdade, que estais no céu...
Rezava o padre nosso que sabia
A pedir-te, humildemente,
O pão de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.

– Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.

Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
– Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.

Miguel Torga


Encontro de Blogues
Semanario Sol Set 2008 Sabrosa/S.Martinho de Anta

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

O Que Diz A Morte (Antero de Quental)

Deixai-os vir a mim, os que lidaram;
Deixai-os vir a mim, os que padecem;
E os que cheios de mágoa e tédio encaram
As próprias obras vãs, de que escarnecem...
Em mim, os sofrimentos que não saram,
Paixão, dúvida e mal, se desvanecem.
As torrentes da dor, que nunca param,
Como num mar, em mim desaparecem.
Assim a Morte diz. Verbo velado,
Silencioso intérprete sagrado
Das cousas invisíveis, muda e fria,
É, na sua mudez, mais retumbante
Que o clamoroso mar; mais rutilante,
Na sua noite, do que a luz do dia.

Nocturno (Antero de Quental)

Espírito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a Lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu só entendes bem o meu tormento...
Como um canto longínquo - triste e lento-
Que voga e subtilmente se insinua,
Sobre o meu coração que tumultua,
Tu vestes pouco a pouco o esquecimento...
A ti confio o sonho em que me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando. entre visões, o eterno Bem.
E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de Ideal, que me consome,
Tu só, Génio da Noite, e mais ninguém!

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

A oração que eu esqueci


De Paulo Coelho

Eis a oração:

Senhor, protegei as nossas dúvidas, porque a Dúvida é uma maneira de rezar. É ela que nos fazem crescer, porque nos obriga a olhar sem medo para as muitas respostas de uma mesma pergunta. E para que isto seja possível,

Senhor, protegei as nossas decisões, porque a Decisão é uma maneira de rezar. Dai-nos coragem para, depois da dúvida, sermos capazes de escolher entre um caminho e o outro. Que o nosso SIM seja sempre um SIM, e o nosso NÃO seja sempre um NÃO. Que uma vez escolhido o caminho, jamais olhemos para trás, nem deixemos que nossa alma seja roída pelo remorso. E para que isto seja possível,

Senhor, protegei as nossas ações, porque a Ação é uma maneira de rezar. Fazei com que o pão nosso de cada dia seja fruto do melhor que levamos dentro de nós mesmos. Que possamos, através do trabalho e da Ação, compartilhar um pouco do amor que recebemos. E para que isto seja possível,

Senhor protegei os nossos sonhos, porque o Sonho é uma maneira de rezar. Fazei com que, independente de nossa idade ou de nossa circunstância, sejamos capazes de manter acesa no coração a chama sagrada da esperança e da perseverança. E para que isto seja possível,

Senhor, dai-nos sempre entusiasmo, porque o Entusiasmo é uma maneira de rezar. É ele que nos liga aos Céus e a Terra, aos homens e as crianças, e nos diz que o desejo é importante, e merece o nosso esforço. É ele que nos afirma que tudo é possível, desde que estejamos totalmente comprometidos com o que fazermos. E para que isto seja possível,

Senhor, protegei-nos, porque a Vida é a única maneira que temos para manifestar o Teu milagre. Que a terra continue transformando a semente em trigo, que nós continuemos transmutando o trigo em pão. E isto só é possível se tivermos Amor - portanto, nunca nos deixe em solidão. Dai-nos sempre a tua companhia, e a companhia de homens e mulheres que tem dúvidas, agem, sonham, se entusiasmam, e vivem como se cada dia fosse totalmente dedicada a Tua glória. Amem.
Texto de Paulo Coelho

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Conceitos desconhecidos em Arte


SUPREMATISMO: Nome dado pelo pintor russo Malevitch à abstracção geométrica, em 1913, com manifesto assinado por ele e o poeta Maiakovski em 1915, o qual defendia a supremacia da
sensibilidade sobre o objecto e sobre os elementos da natureza. As obras
suprematistas eram elaboradas a partir das figuras geométricas: quadrado,
rectângulo, triângulo e círculo e, ainda, a partir da forma da cruz. Em 1915, Malevitch atingiu o
ponto máximo de simplicidade da estética suprematista, com a obra
"Quadrado branco sobre fundo branco", chegando, assim, aos limites
extremos da arte abstrata. As obras de Malevitch estão carregadas de espiritualidade, silêncio, leveza e desmaterialização, aproximando-se do sagrado.
RAIONISMO: Movimento estético criado por Larionov em 1911-1912 (Moscou), cujo manifesto de 1913 propõe a utilização de raios de cores paralelos ou em sentido contrário, dando a impressão de deslizar para fora do tempo e do espaço. As obras raionistas de Larionov e Gontcharova situam-se entre as primeiras pinturas abstratas do século XX.
NEO PLASTICISMO: Neoplasticismo é o termo criado pelo artista holandês Piet Mondrian para uma arte abstrata e geométrica. Segundo o artista, a arte deve ser desnaturalizada e liberta de toda referência figurativa ou de detalhes individuais de objetos naturais.
Assim, Mondrian restringiu os elementos de composição pictórica à linha reta,
ao retângulo e às cores primárias, azul, amarelo e vermelho, aos tons de cinza,
preto e branco. Mondrian fundou, com Theo Van Doesburg a revista De Stijl, publicada de 1917 a 1928, onde publicou os textos sobre o neo-plasticismo, sendo um deles ''Realidade Natural e Realidade Abstrata", um ensaio fundamental para o Abstracionismo 2º fase.
Esta pintura representa um modelo exemplar da harmonia universal ou verdadeira
beleza, a medida da evolução humana por um ambiente total que pudesse viver em
harmonia. NOVA OBJECTIVIDADE: Dentro do clima da arte figurativa, entre as duas guerras mundiais, a terceira onda do Expressionismo Alemão concretiza-se com o grupo Nova Objetividade / Neue Sachlichkeit. O nome foi cunhado, em 1923, por Felix Hartlaub, diretor da
Kunsthalle de Mannheim. A situação da Alemanha após a Primeira Guerra deu à sua
arte tons políticos mais acentuados que o das primeiras ondas do
Expressionismo. Entrou em confronto com a maré política favorável à
centralização e fortalecimento do poder do Estado, prenunciadora do Nazismo. Seria
este o elemento devastador do movimento. Com a ascensão de Hitler ao poder em
1933, houve a conseqüente queima das obras e a dispersão de seus artistas. A
exposição em Berlim que fundou o grupo, no ano de 1923, pretendia apresentar
trabalhos de artistas interessados pela crítica do cotidiano, do banal e, acima
de tudo, da situação política da Alemanha no entre-guerras. Otto Dix, George
Grosz, Max Beckman e George Scholz foram os principais artistas do grupo.
Apesar de variações entre seus trabalhos, queriam apresentar uma imagem crua da
sociedade alemã depois da guerra de 1914.
ULTRAÍSMO: Movimento poético de vanguarda que surgiu a partir das reuniões organizadas por Rafael Cansinos-Assens, no Café Colonial de Madri, no final de 1918. O ultraísmo foi
uma reação à monotonia dos adeptos domodernismo de Rubén Darío.
O ultraísta Guillermo de Torre definiu=o “como uma violenta reação à era de Rubén Darío e sua conseqüente série de poetas fáceis, que tinham chegado a formar um caráter
híbrido e confuso, uma espécie de bijuteria poética, um produto para as
revistas burguesas”. Jorge Luis Borges tinha opinião semelhante, mas no
entanto, acabará renegando suas origens ultraístas.
Além disso, a passagem do poeta chileno Vicente Huidobro e sua defesa do criacionismo por sua gestação foi um aspecto importante. O movimento se difundiu através de revistas, como
Los Quijotes, Grecia, Cervantes, Ultra, Cosmópolis, Horizonte, Vértices, entre
outras. Além dos antecedentes espanhóis, como Ramón Gómez de la Serna e Juan Ramón
Jiménez, é importante ressaltar a relação do ultraísmo com os movimentos de
vanguarda contemporâneos: o futurismo, o cubismo e o dadaísmo.
A “imagem múltipla”, que supõe a identificação mais plena entre a poesia e a música, a condensação metafórica (ver Figuras de linguagem), a eliminação de conexões inúteis, o
avanço da “imagem reflectida ou simples”, de acordo com os comentários de
Gerardo Diego, e o valor plástico da disposição tipográfica, herança direta dos
caligramas de Apollinaire são aspectos fundamentais do ultraísmo. Além dos já
citados, os poetas ultraístas mais notórios foram Juan Larrea, Pedro Garfias,
Adriano del Valle, Eugenio Montes, José Rivas Panedas, Rafael Lasso de la Vega,
Isaac del Vando-Villar, entre outros.
O movimento se dissolveu com o fim da publicação da revista Ultra na primavera de 1922. Dámaso Alonso, ainda que incisivo em sua crítica — “impossibilitado de dominar um ritmo novo, evitou todos os ritmos e lançou mão dos versos mais pobres” —, não deixa de reconhecer
que não é possível compreender a poesia posterior sem considerar o ultraísmo.
VORTICISMO: Movimento de vanguarda inglês fundado por WYNDHAM LEWIS em 1914.
O nome Vorticismo provém da observação do futurista italiano UMBERTO BOCCIONI de que toda arte criativa emana de um VÓRTICE emocional. Como o futurismo,o Vorticismo empregava um estilo severo,anguloso e altamente dinâmico,tanto na escultura como na
pintura,e tinha como objectivo captar a actividade e o movimento.
Embora o vorticismo não tenha sobrevivido å primeira Guerra Mundial, foi significativo por ser o primeiro movimento da arte inglesa na direcção da abstracção.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Que Deus te Bendiga


Tomara
Que a tristeza te convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz

E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais..."
Como Eu Quero Viver com Você....o Verdadeiro Amor..que Não Se Desfaz .....!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Vinicius de Moraes

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Ausência (Vinícius de Morais)


Ausência (Vinícius de Morais)

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar seus olhos que são doces...
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres exausto...
No entanto a tua presença é qualquer coisa, como a luz e a vida...
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto...
E em minha voz, a tua voz...
Não te quero ter, pois em meu ser tudo estaria terminado...
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados...
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada...
Que ficou em minha carne como uma nódoa do passado...
Eu deixarei...Tu irás e encostarás tua face em outra face...
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada...
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu...
porque eu fui o grande íntimo da noite...
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa...
Porque os meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
E eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém, porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas,
serão a tua voz presente, tua voz ausente, a tua voz serenizada...

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

I Ching



A sua coragem e perseverança premiarão você com um grande sucesso. Se souber levar adiante as suas acções e os seus ideais com senso de justiça, as forças do céu também vão apoia-lo para obter o sucesso buscado. Mantenha sempre o seu espírito de harmonia com a natureza.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Deus está na Natureza de todas as coisas que nos rodeiam


O homem - Sophia de Mello Breyner Andresen

Era uma tarde do fim de Novembro, já sem nenhum Outono.

A cidade erguia as suas paredes de pedras escuras. O céu estava alto, desolado, cor de frio. Os homens caminhavam empurrando-se uns aos outros nos passeios. Os carros passavam depressa.

Deviam ser quatro horas da tarde de um dia sem sol nem chuva.

Havia muita gente na rua naquele dia. Eu caminhava no passeio, depressa. A certa altura encontrei-me atrás de um homem muito pobremente vestido que levava ao colo uma criança loira, uma daquelas crianças cuja beleza quase não se pode descrever. É a beleza de uma madrugada de Verão, a beleza de uma rosa, a beleza do orvalho, unidas à incrível beleza de uma inocência humana.

Instintivamente o meu olhar ficou um momento preso na cara da criança. Mas o homem caminhava muito devagar e eu, levada pelo movimento da cidade, passei à sua frente. Mas ao passar voltei a cabeça para trás para ver mais uma vez a criança.

Foi então que vi o homem. Imediatamente parei. Era um homem extraordinariamente belo, que devia ter trinta anos e em cujo rosto estavam inscritos a miséria, o abandono, a solidão. O seu fato, que tendo perdido a cor tinha ficado verde, deixava adivinhar um corpo comido pela fome. O cabelo era castanho-claro, apartado ao meio, ligeiramente comprido. A barba por cortar há muitos dias crescia em ponta. Estreitamente esculpida pela pobreza, a cara mostrava o belo desenho dos ossos. Mas mais belos do que tudo eram os olhos, os olhos claros, luminosos de solidão e de doçura. No próprio instante em que eu o vi, o homem levantou a cabeça para o céu.

Como contar o seu gesto?

Era um céu alto, sem resposta, cor de frio. O homem levantou a cabeça no gesto de alguém que, tendo ultrapassado um limite, já nada tem para dar e se volta para fora procurando uma resposta: A sua cara escorria sofrimento. A sua expressão era simultaneamente resignação, espanto e pergunta. Caminhava lentamente, muito lentamente, do lado de dentro do passeio, rente ao muro. Caminhava muito direito, como se todo o corpo estivesse erguido na pergunta. Com a cabeça levantada, olhava o céu. Mas o céu eram planícies e planícies de silêncio.

Tudo isto se passou num momento e, por isso, eu, que me lembro nitidamente do fato do homem, da sua cara, do seu olhar e dos seus gestos, não consigo rever com clareza o que se passou dentro de mim. Foi como se tivesse ficado vazia olhando o homem.

A multidão não parava de passar. Era o centro do centro da cidade. O homem estava sozinho, sozinho. Rios de gente passavam sem o ver.

Só eu tinha parado, mas inutilmente. O homem não me olhava. Quis fazer alguma coisa, mas não sabia o quê. Era como se a sua solidão estivesse para além de todos os meus gestos, como se ela o envolvesse e o separasse de mim e fosse tarde de mais para qualquer palavra e já nada tivesse remédio. Era como se eu tivesse as mãos atadas. Assim às vezes nos sonhos queremos agir e não podemos.

O homem caminhava muito devagar. Eu estava parada no meio do passeio, contra o sentido da multidão.

Sentia a cidade empurrar-me e separar-me do homem. Ninguém o via caminhando lentamente, tão lentamente, com a cabeça erguida e com uma criança nos braços rente ao muro de pedra fria.

Agora eu penso no que podia ter feito. Era preciso ter decidido depressa. Mas eu tinha a alma e as mãos pesadas de indecisão. Não via bem. Só sabia hesitar e duvidar. Por isso estava ali parada, impotente, no meio do passeio. A cidade empurrava-me e um relógio bateu horas.

Lembrei-me de que tinha alguém à minha espera e que estava atrasada. As pessoas que não viam o homem começavam a ver-me a mim. Era impossível continuar parada.

Então, como o nadador que é apanhado numa corrente desiste de lutar e se deixa ir com a água, assim eu deixei de me opor ao movimento da cidade e me deixei levar pela onda de gente para longe do homem.

Mas enquanto seguia no passeio rodeada de ombros e cabeças, a imagem do homem continuava suspensa nos meus olhos. E nasceu em mim a sensação confusa de que nele havia alguma coisa ou alguém que eu reconhecia.

Rapidamente evoquei todos os lugares onde eu tinha vívido. Desenrolei para trás o filme do tempo. As imagens passaram oscilantes, um pouco trémulas e rápidas. Mas não encontrei nada. E tentei reunir e rever todas as memórias de quadros, de livros, de fotografias. Mas a imagem do homem continuava sozinha: a cabeça levantada que olhava o céu com uma expressão de infinita solidão, de abandono e de pergunta.

E do fundo da memória, trazidas pela imagem, muito devagar, uma por uma, inconfundíveis, apareceram as palavras:

- Pai, Pai, por que me abandonaste?

Então compreendi por que é que o homem que eu deixara para trás não era um estranho. A sua imagem era exactamente igual à outra imagem que se formara no meu espírito quando eu li:

- Pai, Pai, por que me abandonaste?

Era aquela a posição da cabeça, era aquele o olhar, era aquele o sofrimento, era aquele o abandono, aquela a solidão.

Para além da dureza e das traições dos homens, para além da agonia da carne, começa a prova do último suplício: o silêncio de Deus.

E os céus parecem desertos e vazios sobre as cidades escuras.

Voltei para trás. Subi contra a corrente o rio da multidão. Temi tê-lo perdido. Havia gente, gente, ombros, cabeças, ombros. Mas de repente vi-o.

Tinha parado, mas continuava a segurar a criança e a olhar o céu.

Corri, empurrando quase as pessoas. Estava já a dois passos dele. Mas nesse momento, exactamente, o homem caiu no chão. Da sua boca corria um rio de sangue e nos seus olhos havia ainda a mesma expressão de infinita paciência.

A criança caíra com ele e chorava no meio do passeio, escondendo a cara na saia do seu vestido manchado de sangue.

Então a multidão parou e formou um círculo à volta do homem. Ombros mais fortes do que os meus empurram-me para trás. Eu estava do lado de fora do círculo. Tentei atravessá-lo, mas não consegui. As pessoas apertadas umas contra as outras eram como um único corpo fechado. À minha frente estavam homens mais altos do que eu que me impediam de ver. Quis espreitar, pedi licença, tentei empurrar, mas ninguém me deixou passar. Ouvi lamentações, ordens, apitos. Depois veio uma ambulância. Quando o círculo se abriu, o homem e a criança tinham desaparecido.

Então a multidão dispersou-se e eu fiquei no meio do passeio, caminhando para a frente, levada pelo movimento da cidade.

**

Muitos anos passaram. O homem certamente morreu. Mas continua ao nosso lado. Pelas ruas.

(Sophia de Mello Breyner Andresen, in Contos Exemplares)

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Nós somos o limite...



Lembre-se, lembre-se sempre que não existem limites - isto é: somos nossos próprios factores limitantes. Afastadas as barreiras, nossa expansão, como um vapor gasoso libertado, mais uma vez se estenderá até novas fronteiras (de imaginação) serem encontradas.
É difícil captar a simplicidade desse fato; no entanto, ele é uma força do universo, como a gravidade é uma força do planeta. Abra-se e reconsidere; explore a si mesma(o) para descobrir onde e como você limitou seu potencial...
Os conceitos são edifícios que construímos. Quando nos emparedamos dentro deles, chamamos a isso de "crença", até algo ou alguém penetrar essa fortaleza. Então, tentamos apressadamente reconstrui-la, mas sempre nos expandimos nesse processo. O progresso surge quando aprendemos a fazer nossas próprias reformas e se completará se todas as barreiras externas estiverem totalmente dissolvidas.
Isto é assustador demais para a maioria das pessoas e, por isso, edificamos nossos castelos de crença tão fechados e seguros quanto possível, com fossos e até mesmo dragões para resistir à invasão.

Do livro "A Fonte Interior", Kathleen Vande Kieft. Ed. Best Seller

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

O Fracasso


Paradise O maior fracasso não é aquele que obtemos quando falhamos, caímos ou fraquejamos, sempre que tentamos chegar a um determinado ponto ou objectivo. O maior fracasso, é sim, aquele objectivo que jamais conseguiremos alcançar, porque desistimos antes de sequer tentarmos. Não devemos ter medo de ir ao encontro dos nossos anseios, das nossas vontades dos nossos desejos ou dos nossos sonhos. É com eles que conseguiremos chegar à nossa felicidade. O momento perdido jamais regressa. Nada na vida se repete. É vital para a nossa felicidade sabermos utilizar adequadamente cada momento no nosso presente. Cada segundo que vivemos, o aqui e o agora são um “presente”. O Medo de fracassar é usar o presente como uma caixa bem empacotada, linda, mas vazia, e sem conteúdo... muitos pacotes, com pouco ou nenhum conteúdo. Toda a pessoa que se compara a terceiros “sistematicamente” perde. Ao fazermos isso corremos o risco de plantarmos insegurança, até medo, e nos acharmos incapazes. Somos únicos, irrepartíveis e soberanos nas nossas atitudes. É com elas, somente com elas, que conseguiremos trilhar o caminho da Paz e da Harmonia. O Fracasso faz parte da nossa caminhada. Sem ele certamente estacionamos e corremos o risco de virar exclusivamente críticos. Não devemos temer as quedas e os obstáculos. Preocupar-se com isso é estacionar. Precisamos de nos preocupar sim com aquilo que deixamos de realizar, com as chances perdidas e jamais tentadas, ou seja com as oportunidades que nos surgem e nem sequer nos apercebemos. Uma boa vida só é construída, com tentativas e nunca com desistências. Não estamos aqui neste planeta, com todas as desigualdades à nossa frente, para sermos vítimas de nós mesmos, e nem reféns de conceitos sociais, políticos, empresariais, religiosos e familiares tornando-nos assim, infelizes, amargos e sem brilho próprio. Estacionados portanto. Parados no Tempo. Estamos aqui como experiência única, para nos tornarmos seres de brilho próprio e competente, senhores de nós mesmos e responsáveis absolutos de nossas colheitas, pois ninguém sofre por nós. A dor é intransferível... mas, do mesmo modo, ninguém é feliz por nós. Na realidade tudo começa com os nossos pensamentos. Neles está o início da nossa Evolução. Saber pensar é saber viver. Saber pensar é saber colher. Saber pensar é reconhecer as virtudes num fracasso. Saber pensar é identificar com quem, e como queremos levar avante as nossas conquistas no campo espiritual. Bendigamos ou Louvemos sempre o fracasso... é com ele, que aprendemos a ser felizes, a viver a vida, e desta maneira respeitarmos todos aqueles que um dia já fracassaram... Mas, na realidade, e por ironia, alguns escolhem ser críticos, intriguistas, bisbilhoteiros, e até sacanas. Esquecem-se que desta forma, vibram e vivem numa energia de derrota... São os Medíocres, Incompetentes e Maus, que vão destruindo os sonhos dos jovens e de todos aqueles que lutam e querem ter uma vida melhor... A Sua Própria Vida... E o pior de tudo é que por mais que se lhe diga ou mostre o contrário eles nunca mudam... não entendem…. Já é da sua espécie. Penso que como nos animais, nos homens, definitivamente e sem duvidas também existem várias espécies.... Q I *!? …

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